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17 fevereiro 2012

OS ELEITOS

Já se pode escolher o sexo dos bebês e selecionar embriões sem distúrbios graves. Daqui a algum tempo será viável até alterar as suas características genéticas. Para o bem ou para o mal, a humanidade está se tornando capaz de decidir como serão os novos habitantes do planeta.

Daqui para a frente a vontade de ter um menino ou uma menina não é mais um mero desejo. É uma ordem. Em setembro, a clínica americana Genetics & IVF Institute anunciou ter conseguido separar os espermatozóides com o cromossomo X – que geram garotas – dos que carregam o Y e fazem nascer rapazes. Uma fecundação artificial foi feita apenas com os espermatozóides X. Aí, dos quatorze casais que haviam pedido bebês do sexo feminino, treze conseguiram. Agora a Genetics promete, em alguns meses, tornar o método acessível a todo papai e toda mamãe ansiosos por burlar a seleção natural. Inclusive famílias brasileiras. Embora a empresa não divulgue quanto vai cobrar pela satisfação paterna, sabe-se que, nos testes realizados, cada par de pais desembolsou 2 500 dólares.
Isso é bom para a humanidade? “As novidades chegam tão depressa que não temos tempo de digeri-las”, disse à SUPER o biólogo americano Lee Silver, da Universidade de Princeton. Um dos mais respeitados microbiologistas do mundo, ele é autor de um livro importante sobre o assunto, Remaking Eden (algo como “refazendo o Éden”, ainda não traduzido para o português), no qual analisa como os novos conhecimentos da Biologia “poderão transformar a família americana”. Silver explica que a escolha do sexo é apenas o começo, pois, não demora muito, os médicos vão aprender a mexer diretamente nos genes dos embriões e, assim, alterar os seus traços hereditários. Os pais vão poder decidir se querem que seus filhos nasçam mais resistentes a infecções, mais bonitos ou mais inteligentes. “Esse tipo de manipulação genética estará disponível dentro de uns vinte anos”, avalia outro craque da microbiologia, o americano Gregory Stock, da Universidade da Califórnia. Nas próximas páginas você vai entender o que já está sendo feito, o que vai ser possível fazer e os profundos dilemas éticos envolvidos nessas descobertas.
O truque das cores
Por meio de uma técnica chamada FISH é possível colorir os espermatozóides e diferenciar os que vão gerar menino ou menina. Nesta imagem, que é uma simulação do exame, os espermatozóides foram coloridos no computador
Pra valer
Esta é a imagem verdadeira, obtida durante a experiência feita este ano pelo Genetics & IVF Institute. As “bolotas” que apresentam o brilho cor-de-rosa são espermatozóides contendo o cromossomo X e, por isso, vão gerar um feto do sexo feminino
Para escolher o sexo, basta filtrar o sêmen
Em 1993, a clínica americana Genetics & IVF Institute começou a recrutar casais que queriam escolher o sexo do seu bebê. Todos os inscritos estavam na faixa dos 30 anos e tinham interesse em ter uma menina. Dos catorze que fizeram o teste, só um não conseguiu o que queria, nascendo um garoto. Já se sabia, desde o início, que havia essa possibilidade de falha, pois a eficiência da técnica não é de 100%. A clínica americana chegou bem perto disso, com 92,9% de sucesso.
A margem de erro existe porque a separação dos espermatozóides depende de uma diferença muito sutil entre eles: dentro dos que carregam o cromossomo X, há 2,8% mais de DNA, em comparação com os que carregam o Y. É por trabalhar com uma disparidade tão pequena que a técnica nem sempre acerta. E a falha teria sido ainda maior se, em vez de meninas, a Genetics tentasse escolher meninos, pois é mais difícil separar os espermatozóides que têm uma quantidade muito reduzida de DNA do que aqueles que têm excesso.
Vacas e cavalos foram os pioneiros
A técnica de separação dos espermatozóides já é conhecida há alguns anos. Ela foi criada por cientistas do Ministério de Agricultura americano para fazer a seleção de sexo em sêmen de bois e cavalos. Nesses animais, a quantidade de DNA varia mais do espermatozóide X para o Y do que nos humanos. Portanto, a separação é mais fácil. Os cientistas da clínica americana conseguiram aperfeiçoar essa técnica. Mas, por motivos comerciais, eles não revelam qual foi a alteração que levou à possibilidade de separar espermatozóides humanos com eficiência.
Dentro de alguns meses, depois de ajustes na técnica, os futuros papais interessados, em qualquer canto do mundo, terão acesso ao serviço. “Basta contatar um médico que tenha convênio com o Genetics & IVF Institute”, diz Suzanne Seitz, assessora de imprensa da empresa. O esperma terá de ser congelado e enviado, por um simples malote, para Fairfax, no Estado da Virgínia. Feita a filtragem, ele toma o caminho de volta. O pacote conterá um filho virtual de sexo pré-definido que dará origem a uma criança de verdade.